Se você ainda não conhece o quadro Cinco Moças de Guaratinguetá, saiba que essa uma obra única e uma das obras mais icônicas do Museu de Arte de São Paulo.
De autoria do grande pintor brasileiro Di Cavalcanti, este é um quadro muito importante para a arte brasileira, e sua importância e relevância atravessa gerações entre artistas, amantes da arte ou admiradores da história da arte no nosso Brasil.
Neste artigo escrito cuidadosamente para você, analisamos os elementos que compõem o quadro, desde suas características visuais, aos detalhes técnicos.
Iremos também te contar um pouco mais sobre a história desta obra que está presente até hoje no Museu de Arte de São Paulo, e ainda, quem são as tais Cinco Moças de Guaratinguetá.
Conteúdo deste artigo:
Analisando o quadro
No quadro, das cinco mulheres citadas no título da obra, quatro delas aparecem no enquadramento central da tela. As duas moças que estão aparecendo em segundo plano refletem o posicionamento das duas outras moças que estão localizadas bem à frente.
Cada uma destas moças olha em uma direção diferente. Isso cria uma dinâmica própria que conduz o espectador a acompanhar seus olhares de um lado para o outro.
Um muro pintado de maneira geometrizada, percorre a lateral direita da pintura, e isso nos leva para o fundo da tela. Lá, mais atrás, a quinta figura feminina nos observa.
Esta quinta moça está com uma expressão tranquila, mas parece fatigada e melancólica, enquanto descansa sua cabeça em seu antebraço esquerdo, no que nos parece ser um parapeito de uma janela.
As quatro moças no quadro central usam roupas coloridas, elas combinam, harmonicamente, as cores de seus vestidos com as cores de seus chapéus: marrom, azul, verde e vermelho.
Isso as confere uma identidade própria a cada uma delas, o mesmo é reforçado por seus distintos tons de pele, o que mostra a diversidade étnica entre cada uma delas.
As mulheres estão todas maquiadas com batons e os chapéus que elas usam são arredondados. Esta é uma característica da moda do universo feminino da década de 1920.
Duas destas moças carregam com elas sombrinhas, uma delas aberta e a outra fechada.
A mulher que está posicionada bem à frente, logo em primeiro plano, se destaca com seu vestido e chapéu azuis, assim como seu olhar direto e bem incisivo. Outras três moças também parecem olhar para o espectador.
Di Cavalcanti e a Semana de Arte Moderna de 1922.
O artista carioca Emiliano Di Cavalcanti é um dos nomes mais importantes da arte moderna brasileira, sendo uma das grandes figuras da primeira fase da arte moderna aqui no Brasil.
Sua obra é muito conhecida por pinturas que frequentemente evocam o imaginário de um certo tipo de brasilidade.
De origem carioca, quando Di Cavalcanti se mudou para São Paulo, ele conheceu vários dos artistas, escritores e pintores que davam início o movimento modernista brasileiro.
Junto a esse grupo, o artista que viria a se tornar o “grande Di Cavalcanti”, começou a idealizar a Semana de Arte Moderna do Brasil, de 1922. Foi ele, inclusive, quem desenhou o cartaz e a capa do catálogo.
O evento desta ficou marcado como um dos acontecimentos mais marcantes e emblemáticos da história da arte brasileira.
O evento aconteceu no Teatro Municipal de São Paulo, e como parte da programação, uma exposição apresentava cerca de 100 trabalhos de artistas como Anita Malfatti, John Graz e Regina Gomide, Vicente do rego Monteiro, Victor Brecheret e Zina Aita.
Indo bem além das artes visuais, este movimento reivindicava mudanças na arte brasileira, além de contar com a participação muito ativa de escritores, poetas e críticos, como Mário e Oswald de Andrade, Menotti Del Picchia e Guilherme de Almeida.
Além disso, Di Cavalcanti colaborou também com eles no desenho de suas publicações.
Por um lado, eles defendiam a importância de atualizar a arte brasileiras com o que acontecia lá fora do Brasil, no caso na Europa. Pou outro lado, eles queriam reconectar a nossa arte com uma ideia de identidade nacional.
Veio daí o interesse dos modernistas por uma cultura popular e brasileira. Como por exemplo o fascínio pelo samba e também pelos morros cariocas.
Os anos seguintes de Di Cavalcanti
Os anos que se seguiram foram fundamentais para as técnicas artísticas que Di Cavalcanti assumiu e resultou neste quadro qual estamos discutindo.
Após uns anos na Europa, depois da década de 20, Di Cavalcanti começou a usar uma paleta de cores um pouco mais claras na composição de suas obras.
Lá ele também incorporou influências da arte moderna europeia. Especialmente as técnicas de gradação de cores, características do pintor Fernand Léger.
O uso da cor é uma das qualidades notáveis dessa pintura das Cinco Moças de Guaratinguetá. Di Cavalcanti criou nela sombreados que conferem volume aos corpos uma profundidade à cena, que construiu o espaço em que situa as cinco mulheres.
O artista usou tons de vermelho para quase toda a composição do quadro, o que deu ainda mais destaque para os elementos pintados em verde e azul, como as roupas de duas das moças, a flor que decora a blusa de outra terceira e por fim, as duas janelas ao fundo.
Existe também uma outra obra deste mesmo período do quadro Cinco Moças de Guaratinguetá, chamada Menina de Guaratinguetá. Ela também é feita em tons avermelhados e mais terrosos. Isso mostra a onda de inspiração do artista naquela época.
Analisando melhor a pintura
A escolha desta paleta de cores nas duas pinturas, traz uma atmosfera solar de uma pacata cidade do interior, um dia quente de verão na cidade de Guaratinguetá, cidade que dá nome aos quadros, na região paulista do Vale do Paraíba.
Isso fica ainda mais evidente, se analisarmos a pintura em conjunto com o seu desenho preparatório, o qual ainda traz cores muito mais soturnas, com tons acinzentados, comuns em outras obras de Di Cavalcanti nessa mesma época, representando a vida boêmia.
Na pintura em que estamos focados agora, pelo contrário, ele criou um certo clima de vida pacata e bem simplória, distante dos excessos e mundanidades da vida urbana, especialmente a vida carioca, a que Di Cavalcanti sempre foi tão afeiçoado.
Olhando para o desenho preparatório e a pintura finalizada, podemos observar as decisões que o artista tomou ao executar a pintura.
Di Cavalcanti reorganizou a posição de suas figuras femininas na imagem, mantendo apenas o desenho das duas mulheres à frente.
Ele também modificou algumas de suas posturas, especialmente a da moça da extrema direita que passou a ocupar o centro, e da moça mais ou fundo que foi colocada em uma posição ainda mais recuada.
Os elementos ao fundo continuam sendo um tanto genéricos e geometrizados, desde o primeiro desenho.
Na pintura, a casa ao fundo representada a partir de uma vista frontal, deixa a imagem plana e cria a sensação de um espaço curto, quase que um espaço espremido para caber todas as cinco.
No entanto, em comparação ao desenho preparatório, os formatos dos olhos amendoados já estão presentes na obra final. Os cortes dos vestidos também são bastante semelhantes.
E na pintura, ornamentação dos tecidos e dos acessórios utilizados pelas mulheres, ganha um destaque um tanto especial.
Outro elemento curioso na pintura é o fato das figuras se assemelharem a caricaturas. Isso poque o universo da caricatura foi considerado precursor dos modernismos pelo mundo no começo do século XX.
O próprio Di Cavalcanti começou a sua carreira como caricaturista, na revista Fon Fon, ainda nos anos da década de 1910, e fez ilustrações para diversas capas de revistas.
Quem são as mulheres de Cinco Moças de Guaratinguetá?
Recentemente, as cinco mulheres que compõem o quadro Cinco Moças de Guaratinguetá foram identificadas. São todas elas de uma mesma família.
A mãe, Benedita, ao fundo, com o braço encostado na janela. E logo à frente, no segundo plano, suas cinco filhas: Albertina Pinto, Ariel Pinto, Áurea Pinto e Ayola Pinto.
Estas quatro moças eram conhecidas como As Irmãs Piolim. Isso poque eram filhas de Abelardo Pinto Alves, o grande e famoso palhaço Piolim.
Elas inclusive cegaram a trabalhar no Circo Piolim por tempos.
Ayola Pinto, uma dessas Moças de Guaratinguetá, também foi retratada em outra pintura por Di Cavalcanti, no ano anterior, chamada Moça de Guaratinguetá.
Sim, é ela a Moça de Guaratinguetá, retratada no quadro que já citamos à cima.
Ela foi acrobata, saltadora, comediante, ciclista e equilibrista de arame alto. Trabalhou em circos até 1950.
Cinco Moças de Guaratinguetá foi uma das primeiras obras a entrar para o acervo do Museu de Arte de São Paulo, assim como o outro quadro da série, citado anteriormente: Moça de Guaratinguetá.
Isso aconteceu em 1947, no ano de abertura do museu.
“Cinco Moças de Guaratinguetá” fincou amplamente ainda mais conhecida na década de 1970, depois de ser reproduzida em um selo, como comemoração dos 75 anos do pintor Di Cavalcanti.
Após circular por todo o Brasil, ficou oficializada como uma imagem simbólica da arte brasileira e uma obra marcante deste grande artista, ilustrando vários livros e catálogos.
E a o que achou do quadro? Gostou de conhecer mais sobre a história dessa obra?